E lá estava eu...

... na minha plataforma só a ver os comboios passar (sim, há comboios bonitos para ver).

Não queria entrar em nenhum comboio, estaria só a ver navios se de uma doca se tratasse.

Mas adiante, lá estava eu na minha plataforma. Sossegada, sentadinha. Quando sinto um comboio a chegar. "Mas de onde apareceu este agora?", pensei eu. Não estava prevista nenhuma chegada e eu até sabia os horários de cor.

Ao aproximar-se a marcha do comboio (que vinha a velocidade TGV*) parou vertiginosamente. Eu tentei fazer por ignorá-lo. Nunca me tinha passado pela cabeça que aquele comboio passasse na minha estação e que, muito menos, parasse.

Primeiro passo seria ignorar o comboio. Ah pois, eu cá passei logo ao segundo passo porque o primeiro não me convenceu. Levantei-me e fui ver de perto (às vezes esbofeteio-o por estas atitudes). Era um comboio diferente, totalmente diferente de tantos outros que por ali já tinham passado. Mas era um comboio giro, com estilo, sexy, com uns faróis luminosos brilhantes e um pára-choques do mais bonito que tinha visto (atenção que por pára-choques não me refiro às mamas).

Um comboio assim só poderia levar ao descarrilamento. E agora obriguem-me lá a estar sossegada na minha plataforma quando tenho este comboio ali parado e a chamar-me. Ah pois!

Não fiquei sossegada. Entrei no comboio e resolvi vê-lo de fio a pavio, entrar-lhe nas entranhas,
"lê-lo" até ao pormenor mais insignificante. E consegui ficar a lê-lo, até bem demais. O comboio arrancou para uma viagem louca, boa, alucinante, com curvas e contra-curvas.

Mas quando esta viagem estava no seu ponto mais interessante veio a revisora que me pediu o bilhete. Pois, não tinha bilhete. Tinha sido tudo tão sem plano que nem me lembrei que para embarcar precisaria de bilhete. Teria que sair na próxima paragem, fui avisada.

O problema é que o comboio percebeu o que se estava a passar na carruagem e desatou aos solavancos, umas vezes como que a expulsar-me outras para me obrigar a ficar ali quieta e agarrada a qualquer coisa.

Semanas passadas nesta viagem alucinante cheguei à conclusão que o que os faróis luminosos e brilhantes me dizem não é o que o carburador está a tentar transmitir-me a todo o custo. Eu bem tento dizer à revisora que não vejo razão para sair, há que ouvir os faróis. Há desejos que não faz sentido controlar porque cada molécula gasta nessa castração é uma molécula morta.

Porque é que o comboio tem de ter um destino certo? Eu não quero um destino certo. Eu só quero continuar nesta viagem louca, boa, alucinante, com curvas e contra-curvas porque, apesar de tudo, é uma viagem magnífica.

Se eu sair do comboio na próxima paragem algo me diz que qualquer coisa vai correr mal. Decidi dar um murro na revisora (às vezes tem que ser à bruta mesmo) e deste comboio não saio já, não saio obrigada, sairei quando achar que tenho de sair, quando quiser sair.

* Prometo que um dia explico o que são os meus TGV's